A
tradição cultural da vaquejada, como festa popular de grande preferência pela
população no Nordeste e que não implica em maus-tratos, tortura ou morte de
animais, deveria prevalecer como saudável manifestação festiva regional
brasileira, que constitui bem cultural popular e histórico já incorporado ao
patrimônio cultural do povo nordestino.
A
vaquejada é uma modalidade de esporte próprio da vida rural que, a exemplo do
hipismo e do turfe, envolve a participação conjunta do homem (ou mulher) e do
animal –no caso da vaquejada, do cavalo e do boi simultaneamente. Os cavaleiros
competem em duplas, cavalgando seus equinos cuidadosamente arriados, correm em
uma raia de aproximadamente 100 metros de comprimento com piso macio,
objetivando derrubar o garrote ou touro que parte celeremente da porteira de
saída, buscando fugir de sua prisão e devendo ser derrubado pelo vaqueiro
mediante puxada pelo rabo até o limite final da pista. Ao lado dessa pista,
acomodam-se os torcedores.
Muito
diferente é o que se passava com a “Rinha de Galo” e a “Farra do Boi”, que –para o horror de muitos, embora para a
exploração econômica fria e desfrute sádico de poucos– expunham os animais a
cenas de violência e morte, tradições de culturas bárbaras que a ética da paz e
do respeito à vida não comportam jamais. Justa e oportuna foi a proibição
desses espetáculos típicos de violência, que resultavam sempre em morte cruel
aos animais.
Diferente,
e muito, é o caso da vaquejada, na qual não se mata nem se fere o animal.
Antes, além do cavalo, o garrote é também olhado e admirado pelos espectadores
e vaqueiros pela sua beleza física, força e velocidade.
A
vaquejada evoca também a prática da cultura e do modelo histórico da atividade
pecuária e de relação homem-animal nordestina de pastoreio aberto, que exigia a
tarefa pelo vaqueiro de acompanhamento, busca e recolhimento da rês, já que a
criação se fazia livremente em campos abertos e sem cercados, nos vastos
sertões nordestinos. Gerou-se assim um verdadeiro “ethos social” para o bom
vaqueiro, que jamais deixaria abandonada ou perdida na vastidão dos campos
agrestes e secos qualquer rês confiada aos seus cuidados. Era uma questão de
dignidade profissional e verdadeira questão de honra.
A
origem histórica dessa atividade e forma de vida telúrica, heroica e integrada
à natureza integrante da cultura do povo do Nordeste foi muito bem registrada
pelo grande sociólogo Gilberto Freyre, que dizia que os grandes mitos humanos
históricos nordestinos são o jangadeiro do litoral e o vaqueiro do sertão.
Ademais,
foi e continua sendo cantada em prosa e verso em todo o Nordeste, em especial
pelos conhecidos repentistas, poetas e cantores regionais, a exemplo do saudoso
Luís Gonzaga. E assim, essa valiosa cultura popular e suas curiosas e
aventureiras “estórias” da vida campestre nordestina encontram na prática da
vaquejada uma marca cultural, ao mesmo tempo evocativa e de integração social e
festa popular participativa, alegre e sustentável, a ser preservada, protegida
e estimulada.
Importante
destacar que houve nos últimos anos um forte e inegável aprimoramento na
organização e disciplina para essa prática desportiva, notadamente no tocante à
proteção da saúde e do bem-estar dos animais envolvidos no desporto
–assegurando-se que a integridade física e o bom trato dos animais sejam
rigorosamente assegurados em todas as etapas do evento–, bem como a proibição
de uso de quaisquer instrumentos agressores.
Destarte,
vê-se que vaquejada é um espetáculo esportivo e uma festa de grande atração
popular típica, evidenciando-se assim como mais uma autêntica expressão da rica
diversificação cultural das diversas macrorregiões do Brasil e do admirável
patrimônio cultural nordestino e brasileiro, sendo, portando, digna de receber
o estímulo e a proteção do Estado.
Com
a regulamentação da vaquejada como prática desportiva e cultural pelo STF,
qualquer evento precisaria estar devidamente organizado, evitando-se, o
descumprimento do dispositivo constitucional que veda (art. 225, parágrafo 1°,
inciso VII) a submissão dos animais à crueldade. Assim, havendo vaquejada na
qual os animais eventualmente sofressem maus tratos, estas seriam banidas,
merecendo os seus responsáveis punição exemplar.
Todavia,
a decisão do STF foi no sentido do resultado de uma imposição ideológica, pura
e simples. A vaquejada foi alvo por ter ficado suficientemente vulnerável, e,
ainda discriminada por ser uma demonstração cultural e esportiva tipicamente do
interior nordestino!
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