O
esforço do governo para estancar o déficit da Previdência está trazendo
consequências negativas para a oferta de crédito, já bastante restrita no país.
Alguns bancos de médio porte, com forte atuação no segmento de empréstimos
consignados a aposentados e pensionistas, começaram a suspender esse tipo de
financiamento a clientes com menos de 60 anos que estão aposentados por
invalidez.
Isso
porque 1,1 milhão desses benefícios, concedidos há mais de dois anos, estão
sendo revisados, e quem for considerado apto a voltar ao mercado de trabalho ou
não comparecer à perícia perderá a aposentadoria, segundo informou o Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS). Como a prestação do consignado é descontada
diretamente na folha de pagamento do INSS, os bancos temem que muitos desses
clientes possam ficar inadimplentes.
Em
comunicado enviado a seus correspondentes bancários, financeiras encarregadas
de captar clientes, o banco Daycoval, por exemplo, já informa que o crédito
consignado a aposentados por invalidez só deve ser concedido a pessoas com mais
de 60 anos, faixa etária que ficou fora da convocação feita pelo INSS. Ou seja,
o consignado para pensionistas com menos de 60 anos está suspenso no Daycoval.
—
Não estamos fazendo mais consignados para quem tem menos de 60 anos e foi
aposentado por invalidez para vários bancos — diz o funcionário de um
correspondente bancário que, além do Daycoval, atende outros bancos.
Procurado
pelo GLOBO, o Daycoval não se pronunciou sobre o assunto. Outras instituições
como o Safra e o China Construction Bank (CCB, que comprou o BicBanco, muito
ativo nesse segmento de crédito) também enviaram circulares a seus
correspondentes bancários informando que não “atendem aposentados pelo código
32”, que identifica o aposentado por invalidez, com menos de 60 anos.
Procurado, o Safra disse que não comentaria o assunto. E nenhum representante
do CCB foi encontrado para falar sobre a decisão.
O
diretor de Estudos Econômicos da Associação Nacional dos Executivos de Finanças
(Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, estima que os bancos médios representam
cerca de 30% da oferta de crédito consignado.
SUSPENSÃO DEVE CRESCER
Segundo
especialistas em crédito, essa restrição deve chegar a outros bancos médios que
operam nesse segmento, já que o lastro da operação consignada é a aposentadoria
do cliente e, se ela for suspensa, não há como tomar esse tipo de crédito.
Procurada, a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa as
instituições médias, informou que desconhece a suspensão do consignado para
aposentados por invalidez e que não há nenhuma orientação aos bancos sobre o
assunto.
Aposentada
por invalidez há mais de 20 anos após descobrir que tinha uma doença crônica,
Silvânia Januária, de 48 anos, nunca passou por perícias do INSS. Ela faz
tratamento médico e possui todos os exames para comprovar seu estado de saúde
debilitado, mas terá que fazer a revisão de seu benefício, de cerca de R$ 2
mil, por ter menos de 60 anos. A aposentadoria é sua principal fonte de renda.
Na semana passada, já teve negado um empréstimo consignado, que usaria para
tirar a carteira de habilitação do filho.
—
Eles me informaram que estava suspenso o consignado para aposentados por
invalidez — disse ela, decepcionada, já que o filho precisa do documento para
trabalhar.
Nos
grandes bancos, esse movimento ainda não foi detectado, mas também não está
descartado, segundo especialistas. O Banco do Brasil informou “que não adotou
qualquer restrição de crédito por conta desse tema”. O Bradesco disse que “o
banco está operando normalmente” no consignado. Já o Itaú Unibanco, que no fim
de setembro fechou a compra de 40% do Itaú BMG Consignado, que tem forte
atuação no segmento de consignado, não se pronunciou. O Santander, que fez uma
joint-venture com o banco Bonsucesso, e formou o Olé Consignado, também não se
pronunciou. Também a Caixa Econômica Federal não respondeu se vai ou não
suspender sua linha a aposentados por invalidez.
Em
meio à retração generalizada do crédito, o consignado é uma das linhas que vem
mantendo crescimento nos últimos anos por cobrar os juros mais baixos e ser de
fácil acesso, já que é garantida pelo salário ou pela aposentadoria.
Atualmente, segundo dados do Banco Central, o saldo dos empréstimos consignados
no país é de R$ 286 bilhões, quase três vezes mais que os empréstimos pessoais,
que somam R$ 105 bilhões.
Nos
últimos 12 meses, o saldo dos empréstimos pessoais (não consignados) encolheu
0,8%, enquanto o do consignado avançou 5,8%. Somente entre os beneficiários do
INSS, o crescimento do consignado foi de 13,4% no mesmo período.
O
especialista da Anefac afirma que, num momento em que os bancos já estão mais
restritivos em relação ao crédito, a suspensão de consignado para essa parcela
dos clientes é ruim.
TEMOR DE AUMENTO DE CALOTE
Segundo
Oliveira, trata-se de uma linha relativamente barata, na comparação com outras
modalidades de crédito. Na média, o consignado tem taxa de juros mensal de
2,16% (ou 29,3% ao ano), frente aos 5,5% mensais cobrados pelos bancos num
empréstimo pessoal (90,12% ao ano).
—
Além de ser mais barato que outras modalidades de crédito, o consignado também
é uma linha de fácil acesso à população, uma vez que o empréstimo é descontado
diretamente na folha de pagamento, reduzindo o risco de calote dos bancos —
explica Oliveira.
Um
empréstimo de R$ 500, em 12 vezes no consignado, equivale a prestações de R$
47,75 e um total pago de R$ 573. Já um empréstimo pessoal no mesmo valor
equivale a 12 parcelas de R$ 58,01 e uma dívida total de R$ 696,12. Se utilizar
o rotativo do cartão de crédito, rolando os mesmos R$ 500 por 12 meses, a
dívida sobe para R$ 2.877.
Para
o especialista da Anefac, os bancos estão tentando se defender de um possível
aumento da inadimplência dos aposentados que perderem seu benefício. Segundo
dados do Banco Central, a inadimplência média de pessoa física acima de 90
dias, considerando os recursos livres, está em 6,2%, mesmo patamar de dezembro
passado. A manutenção do calote nesse nível indica que os bancos estão mais
seletivos na oferta de crédito, reduzindo as linhas que oferecem mais risco,
diz Oliveira.
—
Num cenário em que os lucros estão sendo afetados por calotes de empresas que
entraram em recuperação judicial, é uma medida preventiva. Eles já estão tendo
que recompor as dívidas de muitas empresas e pessoas físicas, adiando o
vencimento, para evitar mais inadimplência agora — avalia Oliveira.
CONSIGNADO PARA SETOR PRIVADO CAI
O
consultor econômico da Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento, e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, observa que, quando o
cenário econômico é ruim, com perspectiva de aumento do desemprego, até mesmo o
lastro do consignado, que é o desconto em folha de pagamento, tende a ficar
fragilizado. Isso por causa do medo dos trabalhadores de perder o emprego, o
que leva a uma retração na procura por crédito. Dados do Banco Central mostram
que, entre os empregados do setor privado, nos últimos 12 meses, a concessão de
empréstimos consignados caiu 6,9%, e, no acumulado do ano, a queda é de 4,4%.
—
O lastro dos consignados destinado aos trabalhadores do setor privado se
fragiliza numa conjuntura econômica ruim. E essa garantia agora sofre mais um
golpe com a revisão de aposentadorias por invalidez. O sistema financeiro fica
alerta porque o potencial de perda é grande — diz Tingas.
Quando
assina o contrato de um empréstimo consignado, o funcionário de uma empresa
privada autoriza a empresa a descontar até 30% do valor da rescisão para quitar
parte do consignado que tem com o banco, se este for o caso. Caso não cubra o
total da dívida, o restante deverá ser negociado com a própria instituição. No
caso da perda do benefício de um aposentado do INSS, a advogada Viviane
Massoti, especialista em Direito Previdenciário e professora da LFG, afirma que
o procedimento é o mesmo: negociação.
—
O banco sabe que sempre existe risco em operações de empréstimos e, se não
houve fraude, a instituição tende a negociar — diz a advogada.
O
INSS informou que a Medida Provisória nº 739, de 2016, estabeleceu a revisão das
aposentadorias para os segurados com benefícios por incapacidade mantidos há
mais de dois anos e com idade inferior a 60 anos. Essa revisão já é prevista em
lei, mas não acontecia desde 2008. Serão revisadas 1,1 milhão de aposentadorias
de 3,4 milhão de benefícios desse tipo existentes. A decisão tem como objetivo
tentar reduzir o déficit do INSS, que segundo estimativa do governo, deve
chegar a R$ 146 bilhões este ano, uma alta de 70% frente a 2015. O governo
acredita que poderá economizar “alguns bilhões” ao ano com benefícios que estão
irregulares, mas ainda não há uma cifra exata.
As
despesas do governo com aposentadorias por invalidez quase triplicaram na
última década, passando de R$ 15,2 bilhões em 2005 para R$ 44,5 bilhões em 2015
(um crescimento de 292,7%). No mesmo período, a quantidade de beneficiários
subiu 17,4%, passando de 2,9 milhões em 2005 para 3,4 milhões em 2015.
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